Pat Metheny: Vida e Obra (Parte I)
A extensa e diversificada obra de Pat Metheny testemunha uma capacidade invulgar de criação e adaptação a diversos contextos na área da composição e da execução da guitarra. O pioneirismo deste músico e a sua capacidade de experimentação tornaram-no num visionário. O seu estilo de articulação solto e flexível mistura-se com sofisticação rítmica, acrescida de uma arrojada estética harmónica.
Pat Metheny é – ainda hoje – um músico que “extende” o potencial sonoro dos seus instrumentos e redefine o género através da inclusão de novas tecnologias. Foi o primeiro no jazz a usar uma guitarra-sintetizador, bem como o synclavier, o que o incluiu na vanguarda da música electrónica. Também desenvolveu outros tipos de instrumentos, como a guitarra soprano e a “Pikasso” (uma guitarra de 42 cordas), entre vários outros modelos PM-100 da Ibanez por si assinados.
A sua versatilidade levou-o a actuar com músicos de todos os quadrantes musicais – dentro e fora do jazz – e a expor a sua música nos mais variados ambientes performativos, tais como solo, duo, trio, quarteto, pequenos e grandes “ensembles”, do jazz ao rock, à música latina ou mesmo clássica. Tal facto fê-lo absorver diversas sonoridades musicais reflectidas nas suas composições, misturando elementos dessa multiplicidade.
Bright Size Life
Em 1975 lança o seu álbum de estreia – “Bright Size Life” – com o prodígio do baixo eléctrico, Jaco Pastorius, e o baterista Bob Moses, apresentando uma nova concepção do “jazz trio” com guitarra.
As composições cíclicas que apresenta neste disco já não nos remetem para as habituais estruturas “AABA” ou “AAB” do jazz e revelam-se desprovidas dos tradicionais movimentos “II-V-I”. O ritmo harmónico não obedece à clausura de oito compassos e as estruturas “AB” surgem com quadraturas irregulares ou mesmo estruturas “ABCDE”. Nos temas escritos em 4/4 compassos surgem 3/4 intercalados (e vice-versa), bem como se torna comum nas suas peças o aparecimento de “vamps” ou zonas livres de solos.
Metheny vai mais longe ao explorar uma forma embrionária de jazz progressivo, incluindo várias secções contrastantes dentro da mesma composição que acabam por se repetir de forma cíclica, permitindo espaço e estrutura para os solos. Em “Bright Size Life” há uma busca por sonoridades menos típicas no jazz. Poucos acordes dominantes, recurso maioritário a tríades, “slash chords” e tríades abertas, uso da escala harmónica, saltos interválicos muito distantes e aproveitamento de “slides” e “bends” como forma de articulação.
Estavam, assim, criadas as bases para o conceito de fusão entre o jazz, o country (também chamado “Americana”) e a folk, bem como para o uso de guitarras de 12 cordas e tipos de afinação alternativos.
Pat Metheny Group
A fusão de estilos na obra de Metheny não se limitou ao country e à folk. Nos álbuns seguintes revelam-se influências da música brasileira (v. tema “Lone Jack”), ao mesmo tempo que se desvela o embrião do que viria a ser o Pat Metheny Group. Os discos “Watercolours” de 1977 e “White Album” de 1978 marcam a aliança entre Pat Metheny e o pianista e compositor Lyle Mays. Este último partilha a composição de inúmeros temas do PMG e contribui com as suas originais ambiências e texturas para definir o som desta banda.
A influência do rock que se fez sentir em “White Album” também se revela em “American Garage” (1979), onde se exploram as sonoridades desse idioma, sob a influência de Jaco Pastorius e dos Weather Report.
A multiplicidade destas cores é consequência do apurado uso tecnológico. Metheny foi dos primeiros a explorar o “chorus” natural (com o uso de dois amplificadores desfasados entre si) e o “digital delay”. Em peças como “Phase Dance” e “Sueño Con Mexico” introduziu a afinação “Nashville”, para além de ter misturado diferentes tipos de guitarra, por vezes no mesmo tema, como forma de explorar a variedade tímbrica e as nuances de texturas distintas. Tal foi alcançado de uma forma absolutamente característica em 1979, quando introduziu o synclavier e a guitarra-sintetizador na cena jazzística com a sua Roland GR-300 (v.g: “Are You Going With Me” ou “Song For Bilbao”).
Pat refere o tema “Are You Going With Me” como um dos que mais gosta de tocar. É construído com um “build up” de tensão sobre dois acordes que partilham a mesma função tonal (tónica). Esta sensação de respiração pausada, quase estática, pedindo o movimento que é dado pelo solista e pelas várias vozes imbricadas nos diversos momentos da peça, serve de pano de fundo para o desenvolvimento de ideias melódicas, em tensão-relaxe, e de diálogo entre os diversos timbres que ali são explorados. Este tipo de abordagem musical viria a ser explorado em álbuns-suites como “Imaginary Day” (1996) e “This Way Up” (2005), entre outros.
Música para Cinema, Pop e Free Jazz
A variedade idiomática de Pat Metheny já o tinha levado, em 1985, à composição da banda sonora do filme “The Falcon And The Snowman” (com Timothy Hutton e Sean Penn) e, em particular, à gravação do tema pop “This Is Not America”, que conta com a voz e uma letra de David Bowie.
Mais tarde, em 1996, Metheny regressaria à escrita de bandas sonoras com o filme italiano “Passagio Per Il Paradiso”, que conta a vida de uma lenda do cinema, Julie Harris. Para além da composição, Pat grava todos os instrumentos.
Um ano após a sua primeira incursão pela composição para a sétima arte, a pop e o mediatismo internacional destas suas “canções”, Metheny une-se a Ornette Coleman para gravar uma das obras mais desconcertantes da sua carreira, de nome “Song X”. Esta incursão pelo free jazz contou com a participação de Charlie Haden, Jack DeJohnette e Denardo Coleman, marcando – claramente – o artista multifacetado e diversificado em que se tornou.
A multiplicidade de géneros musicais e contextos performativos é acompanhada pela variedade tímbrica. A década em que Metheny toca pop, free jazz e música para cinema é a mesma em que se dedica à guitarra clássica ou de cordas de nylon. Em parceria com a “luthier” Linda Manzer desenvolveu a mini-guitarra soprano, afinada uma oitava acima (“Letter From Home”), o sitar-guitarra (“Tears Of Rain” e “Last Train Home”) e a espantosa “Pikasso” (“Into The Dream”), uma guitarra com 42 cordas que abrange a quase totalidade do registo do piano.
A Música
Em 1987, o Pat Metheny Group grava o seu trabalho de maior sucesso, vencedor do Grammy de melhor álbum jazz do ano. “Still Life (Talking)” consolida a influência da música brasileira na música do PMG e acrescenta uma complexidade sem paralelo nas vozes, no timbre e na instrumentação.
O tema inicial do CD – Minuano (Six-Eight) – traz-nos sonoridades misteriosas, algo flutuantes e respiradas, proporcionadas pelo uso da guitarra de cordas de nylon, dos teclados, sintetizadores e percussões, imbricados em melodias vocais que exploram a dinâmica, a profundidade e a variedade de registo. A sensação é de movimento contínuo e desenvolvimento para a melodia, que surge como algo de novo e fresco, aprimorado com toda uma panóplia de sonoridades ritmadas e contrastantes que lhe dão volume e textura. Aqui se misturam os conceitos de jazz-fusão, música brasileira, jazz progressivo e até o que viria a chamar-se de “world music”. Sublinhe-se a extensa composição em análise e as diferentes secções aí contidas – “ABCDEFGH”. Em particular, o destaque para a inclusão da marimba na Secção “E” da peça e a finalização triunfante de todas as vozes, conclusiva do longo caminho traçado e percorrido desde o seu início.
Na peça “Last Train Home”, provavelmente a mais conhecida e aclamada do PMG, Metheny introduz, pela primeira vez na história da música, o som do sitar eléctrico como voz principal de um tema. O compositor consegue revelar, em sons, perfeitas imagens visuais, dando-nos a possibilidade de sentir o movimento saudoso de uma locomotiva no seu regresso a casa.
Talvez este seja um dos aspectos mais marcantes da obra de Pat Metheny: a sensação de movimento constante, o caminhar para, uma nova descoberta, o absorver de novos contextos, culturas e imagens potenciadas pela própria vida, os palcos, a estrada, as viagens e as recordações de tudo isso. As capas dos discos reflectem o mesmo ponto: fotografias de estradas, paisagens ou até um aglomerado de pequenos momentos comprimidos e unidos aleatoriamente, como que construindo uma nova realidade nascida da fragmentação do Todo experienciado. Repare-se nos próprios títulos: “Travels”, “Still Life Talking”, “Secret Story”, “The Road To You”, “I Can See Your House From Here”, “We Live Here”, “Beyond The Missouri Sky”, “Imaginary Day” ou “A Map Of The World”…
Esta ideia de regresso a casa, embrenhada com a saudade do lar, também se encontra na canção que dá nome à edição seguinte do PMG (vencedor de Grammy), intitulada “Letter From Home” e executada na sua guitarra soprano.
O Trio e os “Standards”
Em 1990, Metheny regressa em trio, desta vez com Dave Holland e Roy Haynes em mais um álbum vencedor de um Grammy – “Question And Answer”. Neste âmbito mais intimista e enraizado na tradição misturam-se “standards” com temas originais do guitarrista, gravados num único dia de estúdio.
A abordagem aos “standards” revela uma linguagem muito própria de Metheny, que combina um fraseado virtuoso subdividido à semicolcheia, sempre com o “swing feel” característico do bebop. As frases polirrítmicas carregadas de cromatismos desenvolvem-se, muitas vezes, em sentido descendente e sugerindo duas melodias (em registos distintos) numa só. Referência especial para o tema “Old Folks” e o acompanhamento proporcionado pela dupla Holland-Haynes que, sem nunca assumir o “walking bass” ou o “swing” denunciado, permitem a Metheny a elaboração e o desenvolvimento de um solo inspiradíssimo, com “single-lines” e auto-acompanhamento, com ritmo e melodia, e sobretudo com tremenda intenção e emotividade.
A capacidade deste músico em interpretar “standards” e temas originais como se a linguagem fosse a mesma revela a identidade muito própria de Metheny. O resultado final é de uma homogeneidade invulgar e concretiza a ponte entre a tradição e a contemporaneidade de uma forma subtil e eficaz. A partir deste momento a única dúvida que pode subsistir acerca deste músico e da sua música é singela… Haverá limites para tamanha inspiração, inovação e surpresa?
Inspiração
Em 1992, Metheny volta ao estúdio em nome próprio, acompanhado pela London Symphony Orchestra, para gravar aquele que, provavelmente, será o seu trabalho mais pessoal e emocional. “Secret Story” (vencedor de Grammy) revela um contexto musical vastíssimo que abre, inesperadamente, com um coro de crianças do Camboja e desenvolve para histórias, enredos e ambientes sonoros oníricos com a capacidade de envolver e transportar o ouvinte para o seu próprio interior.
O compositor refere-se a algumas das músicas aqui contidas como das mais importantes da sua vida, das mais especiais por si tocadas. Estas composições coincidem com um período em que esteve a viver no Brasil, onde acabou por escrever várias peças para bailado.
Sobre a composição “The Truth Will Always Be”, Metheny diz sentir sempre uma forte relação com uma série de questões pessoais e próximas do seu coração. A simplicidade harmónica do tema, ligada às sonoridades desconcertantes, à multiplicidade tímbrica e ao intenso ritmo de marcha da bateria, como que envolve e transporta o ouvinte, preparando a entrada triunfante do solo numa técnica que viria a ser descrita como “flying seaguls”. Acreditamos que o desenvolvimento deste solo revela, em particular, uma característica musical de Pat Metheny que o torna distinto de todos os outros, seja na capacidade de transmitir emoções como de partilhar imagens musicais. Com efeito, torna-se algo infrutífera a procura da frase ou do motivo, da ideia ou da relação intervalar. A forma de expor as suas ideias já não é meramente musical, como se confinada a um padrão ou malha de jazz.
De facto, na obra deste artista não encontramos a repetição de motivos melódicos ou rítmicos, o uso de extensões dos acordes, o tocar fora dos acordes, as construções hexagonais ou triádicas… Não pelo facto de estarem ausentes, mas porque o seu fraseado não é um processo estritamente mental. Sobre este aspecto, o próprio refere que todos nós temos a capacidade de “improvisar” as nossas frases ao falarmos com outras pessoas sem que, realmente, pensemos em demasia nos verbos, adjectivos, pronomes, etc. O bom improvisador, aquele que estudou harmonia e as suas implicações durante anos, consegue, simplesmente, “tocar”.
Nas suas próprias palavras: «Swing is everything that happens – and “theway” it happens – in between the notes” («”Swing” é tudo o que acontece e “o modo” como acontece no espaço entre as notas).»
Em 1993, o PMG regressa com “The Road To You” e em 1995 apresenta “We Live Here”, que ganha o 7º Grammy consecutivo, proeza nunca antes alcançada em qualquer género musical. Haverá mais, senhor Metheny? Ainda mais?! Sim… muito mais.
Bibliografia
Pat Metheny: “Pat Metheny Song Book” (Hal Leonard Corporation)
New Groove Dictionary
Pat Metheny Official Site: www.patmetheny.com/biography2.cfm?artistid=1
Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Pat_Metheny