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John Scofield: Vida e Obra

John Scofield nasceu em 1951 em Dayton, Ohio, e estudou na Berklee School of Music de 1970 a 1973. Inspirado por músicos de rock e blues, o primeiro álbum em que participou contava com Gerry Mulligan e Chet Baker. Durante dois anos foi membro da banda de Billy Cobham e George Duke e em 1977 gravou com Charles Mingus e foi convidado por Gary Burton a juntar-se ao seu quarteto.

Em 1978 iniciou a sua carreira a solo com o álbum “Rough House”. Os seus primeiros trabalhos não atingiram grandes índices de popularidade, mas a participação na banda de Miles Davis entre 1982 e 1986 mudaria as coisas, dando-lhe um certo estatuto.

Conta-se que Miles o despediu por sentir que Scofield era um guitarrista muito “requintado”. O certo é que foi em contexto pós-bop que este guitarrista, de traços funk com raízes no jazz e no R&B, começou a demonstrar o seu som distinto e a diversidade estilística que o identifica até hoje.

A partir daí liderou os seus projectos, gravando mais de 30 álbuns em nome próprio, para além de inúmeras colaborações. Destacam-se os discos gravados com Pat Metheny (“I Can See Your House From Here”), Medeski Martin & Wood (“A Go Go” e “Out Louder”), Joe Henderson (“So Near So Far”), Jack DeJohnette e Charlie Haden (“Time On My Hands”), Ron Carter, Dennis Chambers (“Blue Matter”) Herbie Hancock, Bill Frisell (“Grace Under Pressure”), Larry Goldings (“Groove Elation” e “A Moment’s Peace”), Kenny Garrett e Brad Mehldau (“Works For Me”), o projecto “Uberjam” com Avi Bortnick e “ScoLoHoFo” com Joe Lovano, Dave Holland e Greg Foster.

Apesar da sua desmultiplicação performativa, tanto no que diz respeito aos “ensembles” em que participou como no tipo de instrumentação dos mesmos, salienta-se a base mais comum usada por Scofield. A sua Jam-Band conta com um dos seus mentores, Steve Swallow, que faz parelha com Bill Stewart em inúmeros discos e participações ao vivo. 

 

Estilo musical

O som da guitarra de Scofield é, provavelmente, a característica mais identificadora da sua personalidade. Som forte, agressivo, distorcido, determinado, presente. A qualidade do seu som é a sua imagem de marca. É única e completamente inimitável. A sua abordagem é tão expressiva e específica que virou moda. “Post-groove”, “hip-hop funk groove” ou mesmo “Scofield style” foram nomes usados para descrever a sua estética. Artistas como Soulive, Gov’t Mule, Medeski Martin & Wood ou mesmo John Mayer exploraram os caminhos desbravados por Scofield, que surge como “pai” da corrente groovy e funky dentro do jazz.

Scofield não procura escalas na sua improvisação. Esta vem de melodias, conjugação de intervalos e “flow lines”. A escala pentatónica revela o seu “background” nos blues, misturados com “bends” e tremolos pouco ou nada característicos na pura linguagem jazzística. Ao recorrer à pentatónica meio-tom abaixo da tónica acrescenta cor ao acorde maior, transformando-o em lídio.

As acentuações no seu fraseado são constantes, o que revela um enorme domínio da técnica de mão direita, apesar da sua mais evidente (e aparente) inclinação para o legato da mão esquerda. São estas acentuações que sugerem ao ouvinte o que ele chama de “chain notes” (um encadeamento natural de notas ao longo do solo).

O intervalo de quartas encontra-se muito presente no seu fraseado, sobretudo em acordes maiores. São, porém, os intervalos dissonantes que dominam em absoluto. “Melodic leaps”, “wide intervals”, “angular jumps” são recursos muito utilizados no discurso de Scofield que contribuem para o uso ímpar da dissonância. Scofield usa o termo “rub notes” para descrever os intervalos que criam segundas maiores ou menores e até nonas aumentadas. As inversões destes intervalos também são frequentes – sétimas e nonas adquirem especial destaque pela tensão que transmitem.

As cordas soltas são uma constante, sobretudo na exposição de temas, ora na introdução da melodia, ora na execução de acordes. Esta técnica chega a ser aproveitada para tocar acordes novos, pouco justificáveis nos manuais tradicionais de harmonia. Resultam, não pelo seu motivo, mas pelo aproveitamento da diferente textura entre uma corda solta da guitarra e outra corda pressionada.

Outro recurso frequente na obra de Scofield é a alteração de notas comuns sem descaracterizar o seu contexto inicial. A “blue note” (#4 ou b5) do modo menor é extremamente utilizada, assim como a mais improvável terceira maior sobre um acorde menor. Esta ferramenta tem, como efeito, a breve alteração da cor do acorde tonal, dando-lhe mais brilho e novidade inesperada.

Este discurso tenso, angular, que aproveita a totalidade do registo da guitarra e faz uso da mudança de oitavas, encontra coerência e subsistência no uso de quintas perfeitas, por vezes sequenciais, mas também no apoio a oitavas que permite a condução do solo para o ponto de ebulição.

Nota-se, em alguns trabalhos de Scofield, um certo abstraccionismo e liberdade sem as barreiras típicas do free jazz, enquanto noutros o discurso é tremendamente tonal e coerente. Scofield é imprevisível. Choca pela simplicidade e torna natural a complexidade. Mas a peça que faz colar toda esta trama estilística vem de um mundo electrónico tão aliciante para o músico guitarrista: os efeitos. 

 

Pedais e som

É impossível falar de Scofield sem referir o seu som, os efeitos e pedais de que faz uso. Scofield toca sem sapatos, com uma meia especial que lhe permite, mais facilmente, ter acesso a todo o tipo de controlos de que dispõe no chão dos seus palcos.

O som distorcido e acutilante vem do pedal Proco RAT conjugado com a preferência na utilização do “pickup” da ponte da sua AS-200 da Ibanez. John trabalhou com esta marca para elaborar o seu modelo assinado, a JSM-100. As palhetas duras e o ataque da mão direita muito próximo da ponte contribuem para a definição de cada nota, mas sobretudo, para definir o seu som inimitável.

No projecto Uberjam Scofield faz uso de uma Fender Telecaster ou Stratocaster. Já o amplificador Vox AC30 e o Mesa Boogie Mark I são-lhe insubstituíveis. Nas últimas incursões experimentais podemos vê-lo a fazer uso primordial de “samplers” (Boomerang) e “loops” (Boss). Este reverte a reprodução da frase gravada, mas também aproveita efeitos sonoros para replicar um DJ numa “scratch table”.

Outros pedais que constam do seu arsenal passam por “delays” e filtros (Line 6) que o ajudam a criar dimensão e textura sonora. Ao mesmo tempo, permitem-lhe simular um efeito de rotação de “speaker”, normalmente activado quando o seu solo atinge o clímax. Estes pedais são controlados por um Expression Pedal.

O chorus  e o equalizador da Boss também estão presentes para modelar o som à sua medida, mas é o Whammy-Wah da Digitek que Scofield mais vezes introduz no decorrer das suas improvisações. Poucos são os guitarristas de jazz que utilizam um “wah-wah” como Scofield, e ainda menos os que se aventuram a solos inteiros com o Whammy ligado. Isto permite-lhe aproximar o seu som da fusão com outros estilos musicais, derivando para um experimentalismo de contornos surreais e inesperados.

Scofield guarda vários tipos de alteração do registo da guitarra no pedal Whammy. Ora subindo uma oitava, ora subindo duas oitavas, ora baixando um tom para provocar um efeito “bend”-descendente. O guitarrista combina, explora e desenvolve a sua própria paleta de sons, estando na vanguarda da textura sonora da guitarra. 

 

O legado

John Scofield é um dos músicos mais populares do jazz e dos poucos que conseguem reunir o consenso de admiradores de estilos musicais diferenciados. É figura de referência pelos seus percurso, inovação e originalidade. Influência determinante para jovens e adultos, é tido como o pai de um estilo “hip” e “groovy” dentro da música instrumental.

Com 63 anos de idade (feitos a 26 de Dezembro passado), continua uma figura fresca e jovial, simpático no trato, tranquilo de temperamento e com um sentido de humor muito lúcido e contagiante. John Scofield, impossível de ignorar, evidente de reconhecer.